O senhor Otirb era um porteiro mal-humorado. Bom, na verdade mal-humorado nesse caso seria um eufemismo grave. Ele era grosso, estúpido, anti-social. Tratava a todos com absoluto desprezo. Não respondia bom dia, boa tarde ou boa noite. Se alguém o cumprimentava e esperasse a resposta, ele grunhia (às vezes latia) algo incompreensível e olhava para outro lado. No prédio onde trabalhava, os moradores até tinham receio de lhe dirigir a palavra ou sequer o olhar, tamanho o desdém que ele emitia, aparentemente por toda a espécie humana. Otirb pegava geralmente o período noturno e invariavelmente dormia no serviço, provavelmente para interagir menos ainda com os moradores que chegavam tarde. Obviamente ninguém (nem o síndico) nunca teve coragem de acordá-lo. Seria como mergulhar no vinagrete e depois acordar um tigre faminto. Morte na certa.
Até que um dia mudou-se para o prédio o jovem Ordep. Ordep era mais sensível que a média e, a princípio, também indignou-se com o desgosto e falta de tato do senhor Otirb. Não se conformava com o fato de existir alguém tão absolutamente amargurado e sem o mínimo de empatia. Com o passar do tempo, pôs-se a pensar nas motivações que poderiam existir para aquele comportamento. Raiva do emprego, depressão, problema na família, empréstimo no banco, furúnculo na bunda, consciência política, verme. Todos esses seriam fatores em potencial para drenar a felicidade de alguém. Mas Ordep acabou chegando à conclusão de que Otirb era simplesmente capaz de ler pensamentos. Lembrou de si próprio cumprimentando o senhor Otirb, sendo recebido com aquele desprezo glacial e pensando "aff, grosso da porra". E imaginou os balõezinhos de pensamento dos outros vizinhos: "nossa, que antipático", "ê, infeliz", "filho da puta, nem pra abrir a porta pra mim", "alguém tinha que demitir esse inútil", "a esposa deve ter dormido de calça jeans". Ordep pensou muito nisso. Realmente, ler pensamentos devia ser o poder mais triste e arrebatador da existência. Talvez quando criança o senhor Otirb não fosse assim tão desgostoso da vida, mas anos de mentiras, falsidade e insultos mentais poderiam ter endurecido seu coração e, consequentemente, sua expressão facial e trato geral com o próximo. Era uma explicação perfeita, pois fechava o ciclo de ódio que se retroalimenta eternamente. Era isso, tinha que ser.
Desde então, Ordep decidiu pensar apenas coisas positivas quando encontra o senhor Otirb. Por algum motivo achou que ele tinha cara de cristão, então passou a pensar "Deus te abençoe, Otirb". Intercalando com "grande Otirb véio de guerra", "obrigado, meu irmão", "luz, paz e gratidão", coisas zen do tipo. Ordep jura que da última vez que o encontrou viu um sorrisinho de canto de boca esboçado na cara do senhor Otirb.