Hoje me ocorreu de me gabar de ter uma boa memória. Não que eu seja algum tipo de Rain Man, mas ela, minha memória, é bem curiosa. Dizem que a memória da gente é seletiva. Pois bem, o que a minha seleciona é divertido, pois não tem critério algum. Memória aleatória, eu diria. Até rima. Em geral, lembro-me muito bem da minha vida, pessoas que conheci, coisas que fiz. Em detalhes, lembro de algumas coisas importantes, sim, mas outras absolutamente banais, como trechos de conversas que fazem as pessoas dizerem “sério, eu disse isso?” quando lanço algum “lembra daquela vez...”. Dá uma sensação de poder tão efêmera quanto ilusória, mas é divertido: “pois é... eu lembro muito bem... dá mole pra você ver, conto pra todo mundo!” “Oxi, pode contar, to nem aí”. Merda, quase.
Uma vez quando eu tinha uns 6 anos eu resolvi que ia me lembrar de uma coisa para nunca mais esquecer. Estava na aulinha de judô (adulto faz aula, criança faz aulinha... com tio ao invés de professor... se bem que tio de judô a gente tem que chamar de sensei), já no finalzinho, na parte da farra da criançada, e resolvi fingir que estava dormindo. Moleque tem dessas coisas, decide fazer algo “porque sim” e faz. Fiquei “dormindo” e alucinando meus pensamentos infantis surreais enquanto o caos de lutinhas reinava à minha volta, quando resolvi “porque sim” que ia me lembrar daquele momento pra vida toda. Não precisei de nenhum motivo para isso, só fixei na cabeça que ia lembrar e pronto. Aqui estou, com vinte e tantos anos, e ainda lembro essa tolice. Thinking back, penso que deveria ter ao menos tentado aplicar uma técnica parecida no Ensino Médio, para nunca mais esquecer física, química, matemática e biologia, o combo do inferno. Se errar é humanas, já nasci errado. E errante pra caralho. Falando nisso, uma das fases da minha vida que melhor lembro é a adolescência. Infelizmente.
É meio polêmico falar isso assim na lata, mas adolescente é tudo retardado. Acha que sabe de tudo e não sabe de bosta nenhuma. Despreza todo e qualquer conselho de alguém mais velho porque tem a doce ilusão de que é um ser humano autêntico, portanto seu espectro de experiência estaria em um patamar subjetivo demais para ser compreendido por outrem. Na prática, é tudo a mesma racinha e faz sempre as mesmas merdas. E é tudo feio, pelo menos os meninos. As meninas em geral ficam até bonitinhas, mulherezinhas em miniatura. Mas os meninos ficam simplesmente bizarros. Bigodes disformes, corpo desproporcional, espinhas, voz oitavante, orelha grande, braço fino, mão grande, pedra no mamilo, hahahaha é hilário. E a vaidade comum dessa idade só deixa os idiotas mais engraçados, tentando posar de gatões. Os adolescentes podem me levar a mal, não me importo, mas sinceramente não é nada pessoal. Quer dizer, é sim, é literalmente pessoal. Meu desprezo volta-se 90% para minha própria memória de adolescente retardado. Minha memória é boa.
Quem há de discordar do teor patético (e hipotético, digamos, só para ilustrar) de um moleque como o descrito acima tentando impressionar sua colega de sala gatinha demonstrando seu engajamento político e firmeza de postura e caráter:
- Porra, foda, viu.
- O que?
- Essa sociedade.
- ... (donzela sem palavras).
Ponto.
Aqui começa a ficção.
2 comentarios:
Boooa
Gostei....
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